Introdução
Não importa se somos cristãos, espiritas, umbandistas ou ocultistas: os seres humanos tem naturalmente uma tendência a se aproximarem de uma doutrina ou filosofia religiosa. E isso se dá para termos algo para nos apegarmos, que nos dê certezas em um mundo cheio de imprevistos, coisas que não controlamos, poderes e mistérios que estão além do que nossos sentidos e esforços podem controlar:
O rugir dos leões, o uivar dos lobos, o bramido do mar tempestuoso e a espada destrutiva são porções da eternidade demasiadamente grande para o olho do homem.
Visto que a religião constitui, sem dúvida alguma, uma das expressões mais antigas e universais da alma humana, subentende-se que todo o tipo de psicologia que se ocupa da estrutura psicológica da personalidade humana deve pelo menos constatar que a religião, além de ser um fenômeno sociológico ou histórico, é também um assunto importante para grande número de indivíduos.
A ideia principal da carta, ou do arquétipo do papa, não é “religião” na definição mais simples da palavra, mas sim “representar tudo o que é ortodoxo e tradicional, mesmo até o ponto da ineficácia”. Essa ineficácia não é intrínseca, e sim por que as vezes a herança e os símbolos do passado frequentemente são mais importantes que o utilitarismo e a necessidade de mudança indispensável no presente ou perspectivas do futuro:
Certa vez, ocorreu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens, que até então os comiam crus, experimentaram a carne assada e acharam-na deliciosa. A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado incendiavam um bosque. O tempo passou, e o sistema de assar porcos continuou basicamente o mesmo. Mas as coisas nem sempre funcionavam bem: às vezes os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. As causas do fracasso do sistema, segundo os especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou, ainda, às árvores, excessivamente verdes, ou à umidade da terra ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas.
As causas eram difíceis de determinar: na verdade, o sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: havia maquinário diversificado, indivíduos dedicados a acender o fogo e especialistas em ventos — os anemotécnicos. Havia um diretor-geral de Assamento e Alimentação Assada, um diretor de Técnicas Ígneas, um administrador-geral de Reflorestamento, uma Comissão de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias e o Bureau Orientador de Reforma Igneooperativas. Eram milhares de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes, técnicas para gerar fogo mais intenso etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno. Um dia, um incendiador qualquer resolveu dizer que o problema era fácil de ser resolvido — bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o, então, em uma armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor — e não as chamas — assasse a carne. Tendo sido informado sobre as ideias do funcionário, o diretor-geral de Assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete e disse-lhe:– Tudo o que o senhor propõe está correto, mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria? E com os acendedores de diversas especialidades? E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos, com suas máquinas purificadoras de ar? E os conferencistas e estudiosos que, ano após ano, têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles se a sua solução resolver tudo, hein?– Não sei, disse o funcionário, encabulado.– O senhor percebe agora que a sua ideia não vem ao encontro daquilo que necessitamos? O senhor não vê que, se tudo fosse tão simples, nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito tempo? Que outros países já a teriam adotado? O senhor, com certeza, compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas, sem chamas? O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros de bosques já preparados, cujas árvores não dão frutos e nem têm folhas para dar sombra? E o que fazer com nossos engenheiros em porcopirotecnia? Vamos, diga-me!– Não sei, senhor.– Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua ideia — isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo.
Talvez essa seja o maior desafio desse Arcano, até que ponto queremos ou precisamos nos prender a uma tradição ou costume ao invés de topar algo novo e revolucionário, ou as vezes, estamos tão dispersos em caminho e rotinas que nunca deveríamos ter iniciado que precisamos voltar a antigas práticas para nos reencontrarmos.
Geralmente nos imaginamos como se fossemos os Arcanos, por que eles estão ali, “sozinhos” representando uma cena, mas aqui, vemos os dois padres a frente do papa, prostrados esperando um conselho ou uma benção, e aqui que o detalhe se faz importante, onde não é a questão de sermos a tradição, e sim ouvir os conselhos de quem é experiente e fundamentado nos diz, e por mais que aja a dadiva da resposta, essa resposta é útil para nós, para nosso tempo e propósito?
Encaro a religião como uma atitude do espírito humano, atitude que de acordo com o emprego originário do termo: “religio”, poderíamos qualificar a modo de uma consideração e observação cuidadosas de certos fatores dinâmicos concebidos como “potências”: espíritos, demônios, deuses, leis, ideias, ideais, ou qualquer outra denominação dada pelo homem a tais fatores; dentro de seu mundo próprio a experiência ter-lhe-ia mostrado* suficientemente poderosos, perigosos ou mesmo úteis, para merecerem respeitosa consideração, ou suficientemente grandes, belos e racionais, para serem piedosamente adorados e amados
O conselho do Papa não é uma espada que se finca e perfura, e sim uma ponte entre o homem (ou o reino dos homens) até uma realidade sobrenatural divina (ou sagrada). Cabe a nós decidir se queremos atravessar essa ponte ou não.
Na carta anterior do Imperador, vimos uma manifestação do domínio do homem, mas o reino humano por si só, viverá para as coisas do homem, suas construções, suas ganâncias e ambições, necessariamente o império do Ego. Agora, o Papa aparece como uma figura para religar essa conexão do homem com a natureza, fazer parte de um todo maior:
O título “pontiff” (pontífice) relaciona-se com o pontifex latino, que significa ponte. Uma ponte entre o homem e Deus (Deus aqui seja ele qual for, ou até mesmo a “vontade do Universo”). Liga a experiência codificada da Igreja (simbolizada pelos pilares que se veem atrás dele) com a experiência viva e humanas a sua frente. Em áreas em que elas ainda não aprenderam (ou esqueceram) a prestar atenção à própria voz interior, ou perderam a conexão com ela, o Papa lhes oferece a sabedoria de um sistema de valores coletivos para apoia-las e guia-las ao longo do caminho.
Quanto mais o homem perdia contato com a própria experiência imediata do espírito, tanto gradativamente, através dos séculos, à medida que se envolvia nas complexas relações pessoais inerentes a uma sociedade individualista, competitiva, o homem chegou a sentir cada vez mais a necessidade da confissão individual e do aconselhamento em questões de consciência pessoal. Como porta-voz de Deus, é o arbitro final de todas as questões morais. É também ele quem determina a autenticidade final de toda experiência mística ou espiritual.
É importante ressaltar, que transpondo todo o significado do Papa para os nossos dias, a visão religiosa não nos completa mais. Sabemos que, a maioria das religiões que temos hoje, são mais parecidas com muros do que com pontes, pessoas presas em leis humanas, enganações, e rituais sem sentido ou preconceituosos. A própria visão de Deus está perdida, quem é Deus? Já que não o vejo naquela visão protestante de Deus punitivo que leva os pecadores para sofrer no deserto, nem aquele Deus católico que abençoa lideres que pregam contra meios contraceptivos, ou opções individuais de cada um sobre sexualidade. Nem mesmo o Deus dos homens, o capital, a fama e o prazer pelo prazer não é o Deus que quero. Nesse arcano temos uma das primeiras “forças” que nos empurram ao que parece ser o objetivo principal de todo e qualquer baralho de tarô: nos levar de volta a nossa verdadeira natureza, o Deus que devemos encontrar, é a nosso Eu interior, o Eu natural, o verdadeiro ser que somos, que não é as roupas que vestimos, as coisas que fazemos ou os lugares que frequentamos.
Veremos mais a frente em cartas como o Enforcado, ou a Torre, essas “forças” nos empurrando para esse encontro, mas aqui no Papa, no arcano número 5, é apenas um conselho: nada é e nada será tão sagrado quanto esse encontro com a nossa verdadeira essência, o íntimo da nossa alma, o verdadeiro Deus que não está nas paredes de uma igreja, ou nas palavras decoradas de uma oração.
Para onde foi Deus?, exclamou… vou lhes dizer! Nós o matamos, vocês e eu! Somos nós os seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos esvaziar o mar? Quem nos deu uma esponja para apagar o horizonte inteiro? Que fizemos quando desatamos esta terra do seu Sol? Para onde vai ela agora? Para onde vamos nós mesmos? Para longe de todos os sóis? Não estamos incessantemente a cair? Para diante, para trás, para os lados, em todas as direções? Haverá ainda um “em cima” e um “embaixo”? Não estamos errando através de um vazio infinito? Não sentimos na face o sopro do vazio? Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não será preciso acender os candeeiros logo de manhã? Não ouvimos ainda o barulho dos coveiros que enterram Deus? Ainda não sentimos o cheiro da decomposição divina?… Os deuses também apodrecem! Deus morreu! Deus continua morto! E nós o matamos! Como havemos de nos consolar, nós, assassinos entre os assassinos! O que o mundo possuía de mais sagrado e de mais poderoso até hoje sangrou sob o nosso punhal; quem nos limpará este sangue? Que água nos poderá lavar? Que expiações, que jogo sagrado seremos forçados a inventar? […]
A oração foi criada para pessoas que nunca tiveram pensamentos próprios e que ignoram o que é a elevação da alma ou a experimentam sem dela se darem conta: que devem fazer essas pessoas nos lugares santos e nas circunstâncias importantes da vida que exigem repouso e uma espécie de dignidade? Para impedir pelo menos que elas incomodem, os fundadores de religiões, grandes ou pequenos, lhes recomendaram na sua sageza a fórmula da oração: longo trabalho mecânico dos lábios, aliado a um esforço de memória e a uma posição determinada das mãos, dos pés e do olhar! […]
[…] O que são estas igrejas senão túmulos e monumentos fúnebres de Deus?