Contos dentro de Contos
A estrutura de As mil e uma noites leva o formato de moldura narrativa, na qual uma história contém todas as outras. A “moldura” é a história da princesa Sherazade, ameaçada de execução pelo próprio marido, o príncipe Shahryar. Depois de sua esposa anterior ter cometido adultério, o príncipe acredita que todas as mulheres são traiçoeiras e assim, prometeu se casar com uma nova noiva todos os dias, “tirar sua virgindade à noite e matá-la pela manhã para garantir a sua honra”. A princesa evita esse destino ao não contar o final da história que estava narrando em sua noite de núpcias, fazendo com que Shahyar adie a sua execução. Depois de 1.001 noites como essa, ele confessa que ela acabou por transformar sua alma e a perdoa.
E a aurora alcançou Sahrazad, que parou de falar. Dinarzad lhe disse: “Como é agradável e insólita a sua história, maninha”, e ela respondeu: “Isso não é nada perto do que irei contar-lhes na próxima noite, se acaso eu viver e for poupada”. Na noite seguinte ela disse:
Os contos narrados por Sherazade misturam histórias fantásticas que acontecem em locais lendários com outras narrativas que envolvem figuras históricas — como Haroun al Rashid (c. 766–809), soberano do califado abássida durante a era de ouro islâmica. A natureza diversa dos contos é responsável pela grande variedade de gêneros encontrada na coleção, que vão de aventura, romance, e contos de fadas ao terror e até mesmo ficção cientifica.
Então a jovem filha do rei pegou uma faca de ferro com um nome gravado em hebraico, traçou um círculo perfeito no centro do palácio, escrevendo no interior desse círculo um nome em caligrafia Küfi e outras palavras talismânicas; em seguida, fez invocações e esconjuros. Logo vimos o mundo ser coberto de sombras e atmosfera tingir-se de negro, e isso diante dos nossos olhos, com tal intensidade que chegamos a cogitar que o mundo se fecharia sobre nós. Estávamos nessa situação quando vislumbramos o gênio, já pousado no solo em forma de Leão, tão grande quanto um boi, e nos enchemos de medo. A jovem lhe disse: “Fora daqui, seu cachorro!”. O gênio respondeu: “Você atraiçoou a mim e ao juramento!” Não tínhamos combinado que um nunca desafiaria o outro, sua traidora?”. Ela lhe disse: “E por acaso eu juraria alguma coisa para você, seu maldito?”. O gênio respondeu: “Então tome o que eu lhe trouxe!”, e, arreganhando as mandíbulas, correu em direção à jovem, mas ela rapidamente arrancou um fio de cabelo, balançou-o na mão, balbuciou algo entredentes, e o fio se transformou numa espada afiada com qual ela golpeão o leão, cortando-o em duas partes. As duas partes saíram voando, mas restou a cabeça, que se transformou em escorpião. A Jovem por sua vez adotou a forma de uma enorme serpente, e por algum tempo travou violenta luta com o escorpião, mas logo o escorpião se transformou em abutre e voou para fora do palácio; então a serpente virou águia e voou no encalço do abutre, desaparecendo por algum tempo. Mas logo o chão se fendeu, dele saindo um gato malhado que gritou, roncou e rosnou; atrás do gato saiu um lobo preto; lutaram no palácio por algum tempo, e então o lobo derrotou o gato; este gritou e se transformou em larva, que rastejou e entrou numa romã jogada ao lado da fonte; a romã inchou até ficar do tamanho de uma melancia listrada, ao passo que o lobo se transformava em galo branco como a neve. A romã saiu voando e caiu no mármore da parte mais elevada do saguão, espatifou-se e seu grãos se espalharam todos; o galo avançou sobre eles e começou a comer os grãos, até que não restou senão um único grão escondido ao lado da fonte; o galo se pôs a cacarejar, gritar e bater asas, fazendo-nos sinais com o bico que queriam dizer “ainda resta algum grão?”, e, como não entendêssemos o que dizia, ele deu berro tão estrondoso que imaginamos que o palácio desabaria sobre nós. De repente o galo deu uma olhada e, vendo o grão ao lado da fonte, correu para ele a fim de engoli-lo.
E a aurora alcançou Sahrazad, que parou de falar. Dinarzad lhe disse: “Como é agradável e espantosa a sua história maninha”, e ela respondeu: “Isso não é nada perto do que irei contar-lhes na próxima noite, se acaso eu viver e o rei me preservar”.
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