Por ocasião da segunda invasão dos persas à Grécia, o general Leônidas, rei de Esparta, foi até o Oráculo de Delfos perguntar sobre a possibilidade do exército espartano, de apenas 300 homens, enfrentar sozinho cinco mil persas no desfiladeiro das Termópilas.
A pitonisa psicografou o seguinte: “Vais. Vencerás. Não morrerás lá”. E o general Leônidas, então, foi para a guerra e morreu junto com seus 300 espartanos.
Seu filho, que também se chamava Leônidas, foi a Delfos cobrar a sentença do oráculo. Quando mostrou o papel psicografado, a pitonisa do templo leu: “Vais. Vencerás? Não. Morrerás lá”.
Muitas pessoas usam o Tarô como ferramenta de oráculo, porém, como elas lidam com as interpretações, tanto quem as recebe, como quem as interpreta, precisa ter a consciência de que o destino e desejo são coisas totalmente diferentes, e que nada é mais poderoso, do que a liberdade das decisões humanas:
Na estória do general Leônidas, encontram-se muitos elementos valiosos para esclarecer alguns equívocos paradigmáticos muito freqüentes não apenas na arte divinatória, mas também em outras formas de investigação que a sucederam na intenção de desvendar o futuro e evitar a adversidade.
O principal erro de Leônidas foi transferir a responsabilidade de seu destino para o oráculo. Infelizmente, a maioria das pessoas que frequentam médiuns e cartomantes tem a mesma atitude do general espartano, pois, ao invés de um esforço sincero para se conhecerem melhor e tomarem suas decisões, elas querem saber de antemão o que vai acontecer.
A verdade, entretanto, é que não existem destinos fatais ou características pré-determinadas. Tanto na antiga arte divinatória como nas atuais ciências sociais, não são nem o ‘Destino’ nem o contexto social que determinam a consciência, mas o desenvolvimento moral e psicológico da consciência que liberta os homens de seu destino provável resultante do condicionamento social.
E, quanto mais o ser humano estiver consciente de si, a menos influências involuntárias estará submetido. Este era a intenção original da adivinhação: que os indivíduos percebessem a ação destas influências do inconsciente sobre si e alterassem o rumo de suas vidas através de sua liberdade.
Para tomar suas decisões mais importantes, os antigos chineses consultavam as rachaduras de um casco de tartaruga, exposto ritualmente a um ferro em brasa; os etruscos obedeciam aos deuses através do estudo dos relâmpagos; os caldeus reconheciam o universo nas vísceras de animais mortos. As técnicas e métodos primitivos de leitura do inconsciente estão sempre ligados a duas idéias fundamentais: a ideia de correspondência universal, segundo a qual pode-se conhecer o todo através de sua imagem em um fragmento; e a idéia de quebra da linearidade do tempo, da transcendência da duração contínua entre passado, presente e futuro — geralmente provocada pelo transe ou pela mudança do estado de consciência do adivinho.
Porém, com a progressiva dessacralização das culturas ancestrais — iniciada por volta de 1.500 a.C., com o aparecimento da vida sedentária nas primeiras cidades e da Escrita de codificação gráfico-fonética; sedimentada pelo pensamento filosófico desencadeado por Sócrates e Platão; e, concluída pela industrialização generalizada de todos os objetos e pelo desenvolvimento do pensamento científico — a antiga arte divinatória e suas linguagens simbólicas foram destronadas pela filosofia da objetividade e relegadas à condição de superstição e de crendice.
“Vencer e voltar vivo” — era o desejo oculto no inconsciente do general espartano. Derrotar o exército persa com apenas 300 homens faria de Leônidas um herói nacional e daria a Esparta a hegemonia sobre toda Grécia. E este foi o segundo erro do rei espartano: movido pela vaidade e pela ambição política, Leônidas acreditou que seu desejo refletido pelo oráculo era a verdade. Não raro muitas pessoas, não interpretam o resultado de um jogo de cartas para a realidade, mas sim, torcem o significado para que ele vá de encontro aos seus desejos.
A grande maioria das pessoas procura na adivinhação apenas um reforço para seus desejos de ascensão social e/ou realização afetiva: uns desejam dinheiro, fama; outros querem viajar ou simplesmente casar e ter filhos, ou até mais simples, apenas conquistar uma determinada pessoa.
“Qual é o perfil de sua felicidade?”– é a pergunta que o oráculo silenciosamente formula a cada inconsciente. Um adivinho experiente não reforça nem frustra os desejos das pessoas que procuram o oráculo, ele apenas faz com estas pessoas tomem consciência de como seus desejos estão estruturados no presente. Durante o processo de adivinhação, o consulente projeta seus conteúdos psíquicos dentro de uma determinada configuração, que representa sua situação existencial. O futuro é uma das possibilidades de desenvolvimento do presente. E a opção consciente por uma possibilidade determinada já significa uma transformação das condições do destino, porque altera substancialmente a situação imediata.
Por isso, a leitura do inconsciente não deve nunca se limitar à simples constatação da situação existencial do consulente, mas sim permitir uma reorganização psicológica de todos os elementos discursivos apresentados, deve promover uma transformação na situação enfocada. E para garantir essa intenção, deve-se sempre dividir o processo divinatório em duas etapas distintas, permitindo assim um autoconhecimento dinâmico, uma reflexão simbólica sobre a vida.
Dessa forma, os jogos de adivinhação, além de propiciarem um “diagnóstico”, também reprogramam o inconsciente, ajudando o consulente a modificar a situação em que se encontra. A adivinhação não é apenas a arte de decifrar problemas, mas também, sobretudo, a arte de descobrir alternativas: ajudar a escolher um futuro melhor dentre os diversos possíveis — eis o que deveria ser o papel legítimo dos oráculos!
E este foi o erro do general espartano: após delegar a responsabilidade de suas decisões ao oráculo e de se identificar acriticamente com seus desejos mais secretos, Leônidas não se preocupou em discutir alternativas. Entregou-se inconscientemente ao seu destino fatalmente determinado por si mesmo.
Para não repetir os mesmos erros do general espartano, portanto, deve-se tomar algumas precauções em processos de leitura do inconsciente:
1 — Não se deixar enganar pelas próprias ilusões. O desejo de casar com uma linda mulher é diferente do destino de casar com uma linda mulher, e se os leitores não estiverem preparados para distinguir esta sutil diferença, serão presas da própria ilusão.
2 — Deve-se sempre estar aberto para novas alternativas. Na verdade, o objetivo da leitura deve ser a busca de alternativas ao destino. Quem não quer mudanças pessoais não deve procurar processos oraculares, pois, de saída, já se entrega como vítima das forças do inconsciente. Daí a necessidade de uma análise compreensiva das possibilidades de mudança.